Entrevista
- Professor Doutor Losandro Antônio Tedeschi
Linha
de pesquisa que estuda a história das mulheres é uma ruptura com a
historiografia positivista
No mês em que se comemora o Dia Internacional da
Mulher, a temática para a entrevista não poderia deixar de ser feminina. Autor
do livro “As Mulheres e a História”, publicado pela Editora UFGD, o professor
Losandro Antônio Tedeschi fala acerca da recente ruptura ocorrida no meio
acadêmico da área de História, pela qual se passou a pesquisar a presença das
mulheres na construção das sociedades. Doutor em História, o docente, que
ministra aulas no programa de pós-graduação de História e é coordenador do Laboratório
de Estudos de Gênero, História e Interculturalidade da Faculdade de Ciências
Humanas, ambos da UFGD, afirma que esta nova linha de pesquisa tem se
desenvolvido no mundo ocidental há mais de quarenta anos e visa dar vez e voz à
memória de quem sempre, no contexto histórico, esteve oculta, encoberta pela
relação de disparidade entre os sexos.
Como
surgiu o interesse pela pesquisa do gênero e, particularmente, pelas mulheres,
na sua área, que é a História?
Minha sensibilidade e vinculação ao tema gênero e às
mulheres aconteceu em 1992, pois eu participava intensamente de movimentos
sociais no Rio Grande do Sul e neste contexto foi criado juntamente com a Comissão
de Direitos Humanos, onde eu trabalhava, em Passo Fundo (RS), vinculada a Anistia
Internacional, o Movimentos de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Rio Grande do Sul.
E desde aquele período, todas as minhas investigações, pesquisas, intervenções
e ações do ponto de vista social e político sempre foram voltadas à temática
“mulheres”.
E
a ideia para o livro “As Mulheres e a História”, como surgiu e foi se desenvolvendo?
No campo da História, dos anos 1960 para cá, com os
avanços do movimento feminista, da própria renovação da História enquanto
ciência, a história das mulheres surge com uma intenção muito clara:
visibilizar a trajetória, a vida, as ações de sujeitos muito precisos na
história que são as mulheres, que pelas questões de gênero, pela questão do
preconceito histórico e do sexismo, foram apagadas da historiografia oficial.
Então, a partir dos anos 1960 e 1970, a história das mulheres e a história do gênero
surgem como ferramentas da produção de conhecimento historiográfico sobre as
mulheres ao longo da história. Com isso, um campo novo se abre – não tão novo
assim, pois já faz 40 anos – no mundo todo. Começa na França, vai para os
Estados Unidos e vem para o Brasil mais forte nos anos 1980. E a partir daí há um
grande leque de pesquisadores que passam a dar visibilidade, em suas investigações
e pesquisas, a esses sujeitos que nós na História chamamos de “sujeitos vistos
de baixo”, as minorias, que na verdade não são as minorias, são as maiorias. Esse
é o ponto que me levou a começar a produzir conhecimento acerca da história das
mulheres.
E,
mais exatamente, quando se deu o início da pesquisa para o livro?
Faz mais ou menos quatro ou cinco anos e a
publicação foi feita em 2012. E como diz o tema, é uma introdução. Não pretende
abranger o estado da arte do tema, é apenas uma introdução para alunos da graduação
e da pós-graduação que se iniciam ao estudo do tema. Porque não aborda somente
a história das mulheres, aborda as categorias como poder, relações de gênero,
sexualidade, religião e outros temas que dialogam com a historiografia
feminina. O livro é oriundo de uma pesquisa que eu fiz pelo CNPq, que me apoiou
por dois anos. E agora, provavelmente até junho deste ano, sairá outro livro, o
segundo deste, que é sobre história oral e as mulheres, ou seja, como as mulheres,
a partir da oralidade, transmitiram sua história de vida, sua trajetória, sejam
mulheres do campo, sejam urbanas.
O
senhor citou e também consta em seu livro, que a pesquisa sobre a história das
mulheres data de aproximadamente 40 anos. Além disso, que já pode ser considerado
um avanço, o que há de significativo atualmente nesta pesquisa e que pode mudar
o que se conhece como história tradicional?
A história das mulheres é uma ruptura, uma revolução
dentro da historiografia positivista, tradicional, ou seja, dos grandes heróis
e dos grandes feitos. E nós sabemos que a história caminha pela esteira da
memória. E uma memória que não é tornada visível, registrada, como no caso a memória
das mulheres, é uma história parcial, fragmentada e não uma história que
abrange a totalidade dos fatos e das ações humanas. A grande questão que se
coloca hoje é que os arquivos não falam nada sobre as mulheres, as fontes não
falam nada sobre as mulheres. E a pergunta se faz é: as mulheres não existiram
na história, já que as fontes não indicam onde elas estão? Nós discordamos
disso. E é exatamente a partir de metodologias e ferramentas específicas, dentro
da nova história, que esses silêncios passam a ser revelados. Pois a mulher não
existia na cena política, como os heróis. Elas existiam nos quartos, nos sótãos,
nos fundos dos baús, nas tramas de bordados, nas cartas mal escritas, no
cuidado com os filhos, quer dizer, esses espaços não eram espaços da história.
E com essa ruptura que há com o movimento feminista, esses passam a ser os
espaços da história das mulheres, que passam a revelar o seu sentido, primeiro
no mundo privado e depois no cenário de domínio público.
O
termo “História das Mulheres” já é reconhecido, então, pelos estudiosos da
História, já é uma linha de pesquisa consolidada?
Sim. Na historiografia, inclusive na escola francesa,
há grandes pensadores, como Michelle Perrot, por exemplo, que têm uma posição
consolidada acerca da história das mulheres. Porque a história das mulheres não
é só a sua história. É a história de seus filhos, de suas memórias, das maneiras
de fazer, de construir, são os seus silêncios. Até a Michelle Perrot diz que a dificuldade
da história das mulheres é como tirar do silêncio a voz das mulheres. Aí é que
está o grande desafio.
E
a que fatores o senhor atribui a demora em se consolidar essa linha da história
das mulheres? A partir de quando os estudiosos da área passaram a não
considerar usual a ausência das mulheres na História?
Isso vem de um processo que não é único. No caso da História,
houve uma metamorfose a partir dos anos 1920, com a Escola dos Annales, em
Paris, quando a história passa a construir uma nova versão sobre os acontecimentos,
com vozes de outros sujeitos. E a partir desta avalanche é que surge um
movimento dentro da historiografia, que é a história vista de baixo, pelos
negros, prisioneiros, mulheres e indígenas. Essas categorias que nunca tiveram
vez e voz passam a ser sujeitos da própria história. Somado a isso, no caso das
mulheres, com as teorias feministas, há um salto quantitativo e qualitativo na
produção historiográfica. São vários fenômenos que acontecem do ponto de vista
da reformulação das ciências humanas e sociais nos anos 1930, 1940, 1950 e
1960, que levam esses sujeitos a se tornarem objetos de pesquisa.
JORNAL
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